Um agente encoberto, efectivo da polícia criminal, deverá realizar “diligências investigativas ou operações policiais” em Angola, mediante “ocultação da sua identidade e missão”, estabelece a nova Lei das Acções Encobertas para Fins de Prevenção e Investigação Criminal.
A Lei nº10/20 de 16 de Abril, já publicada em Diário da República, prevê igualmente a “inserção e adaptação do agente encoberto e terceiros” em determinado meio, grupo ou organização objecto de investigação.
Constituem acções encobertas as diligências investigativas ou outros tipos de operações policiais “desenvolvidas, dirigidas ou coordenadas por órgãos de polícia criminal, exclusivamente, ou em colaboração com os demais órgãos de segurança do Estado”, refere o diploma.
A finalidade das acções encobertas, observa a lei, é “prevenir ou reprimir crimes, mediante ocultação da identidade do agente bem como da sua missão”.
Recolher informação criminal, descobrir os modos de execução de crimes, dissuadir e impedir a consumação de acções criminosas e descobrir material probatório constituem também alguns fins das acções encobertas.
Segundo as autoridades angolanas, a nova disposição legal surge com o propósito de adaptar o ordenamento jurídico angolano aos instrumentos internacionais e “dar a devida resposta a fenómenos criminais complexos e organizados que ameaçam a paz, a tranquilidade e a segurança interna e internacional”.
O agente encoberto, sublinha a lei, deve actuar sob “identidade fictícia”, que tem carácter provisório e deve ser emitida e outorgada pelo Serviço Nacional de Identificação mediante decisão conjunta dos titulares dos órgãos de Segurança e pela Justiça e Direitos Humanos.
“A decisão que atribui a identidade fictícia é classificada como secreta”, lê-se no documento.
Em relação ao início de acções encobertas, a nova lei determina que a sua realização é solicitada, por ofício, pela autoridade da polícia criminal com o posterior conhecimento do Ministério Público (MP).
Uma terceira pessoa pode igualmente participar das acções encobertas podendo ser efectivo dos órgãos de Segurança e Ordem Interna, que não seja de polícia criminal, de Defesa Nacional e de órgãos de Inteligência e Segurança do Estado.
No domínio das limitações, o agente encoberto, que deve ter boa compleição física, sanidade mental e no mínimo dois anos de serviço efectivo nos órgãos de defesa e segurança, “não deve permanecer na mesma missão por mais de três anos”.
Quanto à participação do agente encoberto na fase de julgamento, no caso do juiz da causa considerar indispensável, “devem ser observadas as normas do processo penal relativas aos declarantes”.
Para a protecção e ocultação da sua identidade, o tribunal deve “tomar as medidas necessárias” para que, na audiência de julgamento, o agente encoberto “seja visto de forma reservada”, apenas pelo juiz e pelo MP, ou recorrer à vídeo-conferência ou à recolha antecipada do depoimento.
As acções encobertas têm acolhimento legal em praticamente todos os países europeus, “variando apenas na amplitude de recurso”. Na ordem jurídica portuguesa a sua consagração remonta à década de 80 do século passado.
A utilização das acções encobertas é um assunto controverso, havendo uma corrente de opinião que a considera “uma técnica de investigação de moral duvidosa” pois essa estratégia colide com regras “sagradas” de um Estado de Direito, podendo mesmo afectar direitos fundamentais da pessoa visada, nomeadamente o respeito pela dignidade da pessoa humana, o direito à integridade moral, à reserva da intimidade da vida privada.
Sara Daniela Quintas Couto Rego, na sua Dissertação de Mestrado em Direito Criminal, na Universidade Católica Portuguesa (Maio de 2016), diz que “é que este método implica a devassa da vida privada, interacções e comunicações das pessoas objecto da investigação que, ignorando a sua condição, permanecem alheias a esse facto, continuando a comportar-se naturalmente. Assim, ingenuamente acabam por fazer ou revelar actos ou omissões de cariz auto-incriminatório ou incriminatório de outros com quem se relacionam. Ou seja, o uso desta forma de investigação leva “as pessoas atingidas (…) a “ditar” para o processo “confissões” não esclarecidas nem livres”, podendo ir até ao ponto de as induzir “à prática de crimes pelos quais vão ser depois perseguidas (agente provocador)”.
“Ora, poderia argumentar-se que as acções encobertas violam o princípio da lealdade processual, o qual transpõe para o processo penal o respeito pela dignidade do ser humano e do sistema de justiça, acarretando, por isso, a proibição da prova assim obtida. Todavia, é a própria Constituição que, ao preceituar uma vasta gama de direitos (o direito à vida, à integridade física e moral, à liberdade e à segurança, e outros), acaba por tolerar que as autoridades públicas se socorram deste método, por força da necessidade de acautelar meios capazes de assegurar a efectividade dos direitos nela plasmados”, escreve Sara Daniela Quintas Couto Rego.
Daí concluir-se que, “mesmo comportando perigos e alguma deslealdade por parte do Estado que delas lança mão, é, nos dias actuais, inegável a imprescindibilidade das acções encobertas no combate a uma criminalidade que escapa aos ditos meios comuns de investigação. Com algumas reservas, a elas se pode recorrer “sempre sem ultrapassar os limites do consentido pela ideia de Estado de Direito”: trata-se de alcançar o ponto de equilíbrio entre os interesses contrapostos, através da sua conciliação, por recurso ao regime constitucional de restrição de direitos”.
Na conclusão da dissertação, a autora escreve que numa “área problemática”, onde a interpretação deve ser restritiva, os tribunais devem ser especialmente exigentes na prova requerida, não devendo fundar as suas decisões (…) num domínio particularmente sensível: contendem aqui direitos fundamentais elevados, estando a constitucionalidade das acções ocultas dependente da obediência ao regime da restrição de direitos, o qual faz apelo ao princípio da proporcionalidade. Daí que se exija especial cautela no juízo destes casos”.
Assim “a solução exigirá um maior rigor e precisão da parte dos tribunais, exigindo que as suas convicções se fundem em dados materiais e razoáveis e não em meras conjecturas sem suficiente base probatória”. Daí a necessidade da “isenção de responsabilidade (…) requer a demonstração, em concreto, da existência de prévias suspeitas fundadas”.
Folha 8 com Lusa